Pandemia e mercado segurador: uma análise baseada em dados

Saber o impacto da pandemia, seja no próprio negócio ou no mercado como um todo, é a questão comum que une empresas, sem distinção de porte ou setor. 

Em busca de respostas para o mercado de seguros, nada de tabelas e gráficos, mas sim uma abertura detalhada de informações para traduzir alguns movimentos capturados pela alteração do padrão de consumo de seguros, dados pouco comentados pelas seguradoras.

O cenário pandêmico e econômico alterou de forma repentina as necessidades de proteção de bens e capital, e partimos em busca de respostas observando os volumes de receitas, despesas, margens de produtos e resultados financeiros do setor. Vamos lá. Primeiramente o termômetro principal de uma seguradora é a sua fonte de receita, os Prêmios. De forma geral, considerando todo o mercado de seguros exceto DPVAT, o mercado se manteve em linha quando comparado com a produção do mesmo quadrimestre do ano anterior com 35 Bilhões emitidos. 

Porém, o total de Prêmios Emitidos não revela os efeitos de gatilho iniciados pela COVID-19 e os efeitos da quarentena, como aumento do desemprego, falência de restaurantes e empresas do varejo. Para melhor entender estes números, precisamos abrir o total de Prêmio por Grupo de Seguros, e posteriormente, por ano, para avaliar as mudanças ocorridas entre 2019 e 2020. Pela árvore abaixo, é relevante comentar que 79% dos prêmios emitidos se concentraram nos Grupos: Automóvel, Pessoas e Patrimonial. 

O total de Prêmios Emitidos não revela os efeitos de gatilho iniciados pela COVID-19 e os efeitos da quarentena, como aumento do desemprego, falência de restaurantes e empresas do varejo.

Ainda na visão, grupo a grupo, passamos a comparar os quadrimestres e verificamos quedas de 9% e 6% na emissão de prêmios de Riscos Financeiros e Automóveis / Transportes. Em Riscos Financeiros, tal queda esteve concentrada na contratação de Garantia Setor Público com perda de 25% nas emissões, mas parcialmente compensada pelo aumento de volume em Fiança Locatícia [+42%] e Garantia Setor Privado [+58%]. Importante observar as motivações desses aumentos. O Fiança Locatícia garante ao locador (segurado), em caso de inadimplência do inquilino, o recebimento por parte da seguradora das coberturas contratadas na apólice quem em situações adversas como desemprego gera o pagamento da indenização. Enquanto o aumento da demanda interna pelo Seguro Garantia Judicial impulsionou o grupo de riscos financeiros quando empresas buscam recuperar o depósito judicial para garantir o seu fluxo de caixa. 

As ruas mais vazias, com restrições que incluem até bloqueios sanitários em alguns municípios, têm relação direta para os ramos de Automóvel e Transporte. O segurado acaba se questionando sobre a necessidade de manter o pagamento da proteção, e opta por reduzi-la ou até mesmo pelo cancelamento para reduzir seus custos fixos, principalmente se estiver com a renda comprometida. O movimento, por outro lado, vem levando a um aumento na busca por seguros on demand [liga e desliga] para automóveis, e as seguradoras tem agora o desafio de proporcionar uma usabilidade fluida em tão pouco tempo com as mesmas coberturas do seguro tradicional para conseguir atender o seu cliente sem gerar grandes insatisfações.

Nos ramos de Transportes existe alta demanda nas atividades essenciais, mas o tráfego total também foi parcialmente reduzido. O comercio online não parou e é tendência, mas não é comparável à situação pré-pandemia. O aumento da demanda digital e armazenamento seguro de informações bancárias ou sigilosas também abre precedentes para surgirem novos tipos de seguros seguindo a Lei Geral de Proteção de Dados [LGPD].

Se estes três grupos estiveram em queda, as linhas que buscam proteção à Crédito ou Responsabilidade estiveram em alta, casos do seguro Habitacional e [R.C. D&O e E&O]. Nos seguros de Responsabilidade, um dos objetivos é proteção para Executivos em processos movidos contra ele decorrentes de atos de sua gestão que possam ter causado danos materiais, corporais ou morais involuntários a terceiros. Enquanto o Habitacional teve alta de +6%, o de Responsabilidades avançou ainda mais, +19%. E interesse por proteção à produtividade, caso do seguro Rural, também cresceu, com alta de +35% no comparativo de quadrimestres.

Nos sinistros, utilizamos a razão Sinistralidade [Sinistro Ocorrido / Prêmio Ganho] para traduzir o nível de comprometimento das receitas efetivamente ganhas exclusivamente com indenizações. O Índice geral de sinistralidade do mercado não apresentou alteração na sua média, mas vale lembrar que a queda da atividade econômica e prioridades se encontra alterada. Nesse momento, muitas pessoas focam sua atenção menos para bens, e mais para a sua saúde e bem-estar. Ou seja, pode existir de fato, uma demanda represada por acionamento de seguro em algumas coberturas. 

Apesar da média inalterada, alguns ramos foram mais impactados diretamente pela Pandemia, custos de saúde no exterior em seguro viagem, lucros cessantes e problema na movimentação de cargas. Veja como ficaram os índices de sinistralidade 2019 e 2020 nos quadrimestres.

  • Seguro Viagem Coletivo: 30% [2019] para 149% [2020]
  • Seguro Viagem Individual: 71% [2019] para 100% [2020]
  • Lucros Cessantes: 87% [2019] para 156% [2020]
  • Transporte Internacional 55% [2019] para 109% [2020]
  • Transporte Ferroviário: 73% [2019] para 105% [2020]

Como esperado, riscos de saúde em Seguro Viagem ficaram aumentados devidos à crise na saúde. E, crises de produção geram acionamentos adicionais nas apólices de lucros cessantes.

Veremos agora uma análise da margem de resultado por produto através de um índice definido aqui como Índice Operacional (IOp). Esse indicador visa traduzir a “sobra” [Margem sem Despesas Administrativas] de determinada Companhia e/ou linha de negócio. Deduz-se do Prêmio Ganho, as Despesas Incorridas (Sinistros Ocorridos, Despesas de Comercialização + Despesas de Resseguro), e considera a Recuperação de Sinistros com Resseguro chegando a expressão abaixo: 

 

Como esperado, riscos de saúde em Seguro Viagem ficaram aumentados devidos à crise na saúde. E, crises de produção geram acionamentos adicionais nas apólices de lucros cessantes.
Veremos agora uma análise da margem de resultado por produto através de um índice definido aqui como Índice Operacional (IOp). Esse indicador visa traduzir a “sobra” [Margem sem Despesas Administrativas] de determinada Companhia e/ou linha de negócio. Deduz-se do Prêmio Ganho, as Despesas Incorridas (Sinistros Ocorridos, Despesas de Comercialização + Despesas de Resseguro), e considera a Recuperação de Sinistros com Resseguro chegando a expressão abaixo:

Onde:

  • GEP: Prêmio Ganho de Seguro = Prêmio Emitido + Prêmio RVNE +- Var. PPNG / PPNG RVNE;
  • Incurred Losses: Sinistro Ocorrido = Indenizações Avisadas + Despesas com Sinistros + Serviços de Assistência + Salvados e Ressarcidos +- Var. Expectativa de Salvados e Ressarcidos +- Variação do IBNR/ER;
  • Com. Expenses: Despesa Comercial = Corretagem + Agenciamento + Pro-Labore + Outros Custos de Aquisição;
  • Reins.Exp.: Despesas com Resseguro = Prêmios de Resseguro’ (-) ‘Variação dos Ativos de Resseguro PPNG/PCC-PPNG/Outras;
  • Reins. Revenue: Receita com Resseguro = ‘Resseguros’ (+) ‘Despesas’ (-) ‘Salvados e Ressarcidos’ (+) ‘Variação dos Ativos de Resseguro de IBNR’ (+) ‘Variação dos Ativos de Resseguro de PDR – Parcela IBNR’ (+) ‘Variação dos Ativos de Resseguro do Ajuste de IBNER da PSL’ (-) ‘Variação dos Ativos de Resseguro do Ajuste de Salvados e Ressarcidos da PSL’ (-) ‘Redução ao Valor Recuperável’;

Avaliando o indicador, não se percebe alteração relevante na margem média. A interpretação aqui é a de que não houve aumento das indenizações, das despesas comerciais, dos custos de resseguro, e que prêmio ganho se manteve estável no período.

Mudando um pouco perspectiva, ressalta-se as excelentes margens nos produtos de Pessoas Coletivo [34%] e Habitacional [66%] indicando que estas linhas possuem “boas margens operacionais” para sustentar um eventual aumento de sinistros. 

Comentando um pouco sobre a lucratividade das Seguradoras, houve queda de 21% no lucro total na comparação com 2019. Em 2020 até abril, pode ter ocorrido aumento de custos com colaboradores no adiantamento de questões trabalhistas como programa de férias no período de home office [caso a caso] e pela performance na gestão de ativos [Resultado Financeiro] onde algumas seguradoras possuem maior dependência em seus resultados do exercício. Mais abaixo o lucro total do mercado de R$ 6,51 bilhões em 2020 contra R$ 8,29 bilhões nos quatro primeiros meses de 2019. 

”o mercado segurador resistiu ao efeito da COVID-19, mas alterou completamente o perfil de consumo dos clientes, e consequentemente irá refletir ainda mais na manutenção e desenvolvimento de novos produtos

Em suma, o mercado segurador resistiu ao efeito da COVID-19, mas alterou completamente o perfil de consumo dos clientes, e consequentemente irá refletir ainda mais na manutenção e desenvolvimento de novos produtos. Não houve aumento no índice geral de indenizações ocorridas avisadas ou não até abril, mas é preciso estar atento para quantificar riscos assim que os indicadores forem acionados. A margem total do produto no ano parece não estar comprometida, sendo um indicativo em termos de qualidade na precificação de riscos e gestão de despesas de algumas Companhias. A notícia pode ser boa para alguns mas requer atenção, por isso, o momento é de transformação corporativa e de cautela para não ser pego na contramão dos riscos. 

Virlei Laranja é Coordenador Atuarial e Business Intelligence da Austral Seguradora.